A presente pesquisa tem por objetivo analisar os processos simbólicos que revestem e conduzem a incorporação de arquivos pessoais por entidades de custódia no Brasil. O problema desta pesquisa encontra-se na questão: De que forma se constituiu, no Brasil, um imaginário que fundamenta e regula a prática de institucionalização dos arquivos pessoais? Esta questão se estrutura a partir da hipótese que de as instituições analisadas estabeleceram e instituíram um imaginário no qual a institucionalização de arquivos pessoais representa uma forma renovada de legitimação de elementos sociais já instituídos na sociedade. Como uma pesquisa de cunho qualitativo, a metodologia utilizada se estrutura em levantamento bibliográfico e documental, com o uso de bibliografia, nacional e estrangeira, especializada em arquivos pessoais e documentos históricos, de modo que fornecesse as bases para os debates que são desenvolvidos. Como pesquisa documental, nos utilizamos dos processos de incorporação de acervos produzidos pelas entidades analisadas. A proposta de utilizar este corpus documental se justifica pela busca por elementos que fornecessem subsídios para compreender as circunstâncias que circundam o trabalho de seleção e incorporação de arquivos pessoais por estas instituições. Foram realizadas também entrevistas com agentes que atuaram especificamente nestes processos de incorporação de arquivos pessoais nas entidades analisadas. Como recorte temporal, foi escolhido o período em que, reconhecidamente, o Brasil passa por um crescimento exponencial de instituições de custódia de arquivos pessoais. Este período se localiza entre os anos 1960 e 1990. Assim, foram escolhidas três entidades criadas neste período: Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) e Museu de Astronomia e Ciências Afins. Analisamos as formas e processos de incorporação de arquivos pessoais por estas instituições no período que se inicia com suas fundações, finalizando no ano de 1999. Esta data limite foi estabelecida levando em consideração que a partir deste momento os debates que envolvem a implantação de políticas de acervo pelas instituições arquivísticas brasileiras ganharam fôlego e passaram a regular este processo de forma mais objetiva. Após a análise contextual dos processos de incorporação de 43 arquivos pessoais, em associação aos depoimentos de 06 agentes envolvidos neste trabalho nas entidades analisadas, pudemos concluir que a seleção de arquivos pessoais para a preservação segue padrões estabelecidos pelas áreas acadêmicas responsáveis por desenvolverem pesquisas nestas entidades. O estabelecimento de valores de preservação aos arquivos pessoais encontra-se subordinado aos interesses da pesquisa acadêmica desenvolvida em cada uma das instituições. Mais do que uma questão de temática que define a identidade organizacional de cada entidade analisada, a preservação de arquivos pessoais compete a uma legitimação estabelecida a partir das autoridades dos agentes – docentes e pesquisadores – representantes do saber/poder dos campos de conhecimento. A academia, considerada como uma instituição social detentora de poder social, se fundamenta em seus próprios preceitos de saber/poder, já definidos e legitimados, para estabelecer a preservação de arquivos pessoais. Este cenário, pelo ponto de vista da memória e da identidade social, se configura como um processo heterônomo de preservação de bens histórico-culturais, onde poucos agentes são autorizados a construir o acervo coletivo de documentos históricos e determinar aquilo com o que toda a comunidade deve se identificar e se lembrar.
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